Francisco Buarque de Holanda nasceu a 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda e de D. Maria Amélia, pianista amadora. Aos dois anos de idade mudou-se com a família para São Paulo. Em sua casa, na Rua Haddock Lobo, o menino ouvia muito rádio: tinha até um álbum de recortes com fotos de cantores. Cursou o ginásio e o científico no Colégio Santa Cruz, distinguindo-se nas aulas, mas sobretudo no futebol e nas crônicas, que escrevia para o jornalzinho da escola. Destacava-se também por sua presença em todas as batucadas que aconteciam no colégio. Foi ainda no Santa Cruz que ele estreou num palco. Com a bossa nova caminhando para o apogeu, teatros, faculdades e colégios organizavam shows nos quais músicos de destaque revezavam-se com principiantes. Num destes espetáculos, Chico cantou sua composição Marcha para um Dia de Sol. Terminado o científico, entrou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, mas só freqüentou até o terceiro ano. Sua turma gostava mesmo era de samba e cachaça. Já na época, Chico Buarque procurava sua identificação musical em meio às mais variadas tendências: "Claro que sou influenciado por Noel Rosa, mas me inspirei também em Dorival Caymmi, Ataulfo Alves, Ismael Silva, Nélson Cavaquinho e Vinicius de Moraes". Até a música francesa me inspirou, principalmente quanto às letras. Agora, a coisa decisiva pra mim, como compositor, foi o LP "Chega de Saudade", do João Gilberto." Em 1964, Chico inscreveu a composição "Sonho de um Carnaval", defendida por Geraldo Vandré, no festival promovido pela TV Excelsior de São Paulo. Não ganhou prêmios, mas tornou-se conhecido, passando a se apresentar semanalmente nos shows do Teatro Paramount e, depois, no programa O Fino da Bossa, comandado por Elis Regina. Finalmente, lançou um compacto com "Olê, Olá" e "Madalena Foi pro Mar". Ambas sairiam também num LP seu que incluía ainda Pedro Pedreiro. Esta última, além de ser considerada um marco pelo autor ("a descoberta de uma forma que não era minha"), inaugurava seu filão de música de temática social. Em 1966, pouco depois de serem lançados esses discos, Chico concorreu com a marcha"A Banda" ao II Festival de MPB, sob promoção da TV Record. Essa composição, defendida por Nara Leão, e "Disparada", de Geraldo Vandré, venceram o popular certame. Foi a glória! Com 23 anos, capa freqüente de revistas, ídolo de um público diversificado, com depoimento no Museu da Imagem e do Som e título de Cidadão Paulistano, Chico tornava-se, no dizer de Millôr Fernandes, "a única unanimidade nacional". Acresce que Chico chegara à MPB num momento em que a bossa nova procurava se reencontrar com a velha guarda. E ele, unindo a música que marcara sua adolescência com a batida diferente do violão de João Gilberto, conseguiu, quando imperava o iê-iê-iê, tornar-se o grande sucesso nacional. Embora não se evidenciasse, Chico era um participante interessado na construção de seu tempo. A unanimidade decorria da alegria contagiante de suas composições: mesmo as mais nostálgicas infundiam a esperança de que, em breve, a banda - metáfora da alegria fraternal - viria para ficar. Ou seja: a imagem do bom moço de belos olhos verdes estava sendo vestida em Chico à sua revelia. E isso ficou bem patente com seu trabalho sério e crítico ao musicar, em 1965, a peça "Morte e Vida Severina", sobre o poema dramático de João Cabral de Melo Neto. A tarefa exigiu mais de um ano de trabalho e o resultado de tamanho esforço foi elogiado. Afinal, a peça venceu um festival universitário na França. As composições, porém, foram pouco divulgadas. Para a indústria de espetáculos, convinha que o grande público continuasse vendo em Chico, o rapaz tímido e nostálgico. Mas já em 1967, Chico Buarque começava - com "Roda-Viva", no III Festival da Record - a desmistificar criticamente essa imagem. E, no início do ano seguinte, resolveu servir a si próprio (um fígado cru, espremido em meio à platéia) para o público de "Roda-Viva". Essa sua peça contava a história de um rapaz que o show business transformara em ídolo, envolvendo-o com suas engrenagens, das quais ele só conseguiria se libertar pelo suicídio. A violência crítica do texto, associada à direção "revolucionária e desrespeitosa" de José Celso Martinez Correia, escandalizou os tradicionalistas, que reagiram: um grupo de extrema direita (integrantes do grupo Comando de Caça aos Comunistas) invadiu o teatro, destruiu o cenário e espancou os atores. O Chico "bonzinho" agonizava a olhos vistos. Ainda ganhava festivais com músicas bem-comportadas (como "Sabiá", em parceria com Tom Jobim, ou "Bem-Vinda") e mantinha-se nas paradas de sucesso. Mas agora se comentava, abertamente, que ele gostava de beber e vivia com a atriz Marieta Severo, sem estarem casados. Antigos versos, como "Dizem que eu sou subversivo/ Um elemento ativo/ Feroz e nocivo/ Ao bem-estar comum", ganhavam novo sentido. Ainda em 1968, Chico resolveu sair do Brasil. A idéia inicial era morar três meses na Itália, devido a um acordo entre gravadoras para lançá-lo por lá. Contudo, acabou ficando mais de um ano. Foi na Itália, em 28 de março de 1969, que nasceu Sílvia, sua primeira filha. Depois, já de volta a seu país, teria mais duas meninas: Helena, nascida em 1970, e Luísa, em 1975. Chico Buarque regressou ao Brasil, em 1970, com meio LP gravado, e aqui completou o trabalho. Afastara-se do samba tradicional, variando mais a linha das composições e revelando influências que iam desde a toada (como em "Rosa dos Ventos") até o iê-iê-iê italiano ("Cara a Cara", por exemplo). Quanto à temática, tratava de se desvencilhar, explicitamente, do lirismo nostálgico e descompromissado que antes parecera identificá-lo. Voltou-se para o sofrimento do povo, a partir de "Gente Humilde" (com Garoto e Vinicius de Moraes), e para o futuro, pois "Apesar de você/ Amanhã há de ser/ Outro dia". Esta composição, logo proibida, foi o primeiro sucesso de sua nova fase. Em fins de 1971, Chico concluiu outro LP, "Construção", que trazia, de forma madura, sua nova proposta artística. No passado, o cotidiano excluía a poesia (base do lirismo nostálgico); agora, o dia-a-dia contém a poesia, o lirismo. As pessoas e o trabalho são belos em si - mas de uma beleza trágica - devido à pressão das instituições políticas e das convenções sociais. Coerente com sua nova música de confronto com as convenções e instituições, Chico se afastara da televisão e de qualquer outro esquema que lembrasse a "Roda-Viva", o sucesso pré-fabricado. E, cercado na discografia pela censura, procurou outras atividades onde pudesse se expressar. Apresentou-se como ator em "Quando o Carnaval Chegar" (1972), filme de Cacá Diegues, para o qual compôs várias músicas. Foi ainda o autor da trilha sonora do filme "Vai Trabalhar, Vagabundo", de Hugo Carvana. De parceria com Ruy Guerra escreveu texto e música da peça "Calabar" ou "O Elogio da Traição", cuja ação se passa no Brasil-Colônia, mas que representa uma fina e vigorosa crítica à acomodação e ao medo. A peça foi proibida, mas Chico pôde gravar um LP com algumas de suas músicas. A esse disco seguiu-se, em 1974, "Sinal Fechado", no qual ele só canta composições alheias. Exceção feita a "Acorda, Amor", sobre o medo generalizado à repressão policial, de autoria de um inventado Julinho de Adelaide. Ainda em 1974 lançou a fábula Fazenda Modelo. No ano seguinte escreveu, em parceria com Paulo Pontes, a tragédia greco-carioca "Gota d'Água". Aliás, 1975 foi muito importante para Chico, que se apresentou com Maria Bethânia no Canecão carioca, para comemorar os dez anos de carreira de cada um. O espetáculo foi gravado ao vivo e lançado em disco, mas a música "Tanto Mar", que festejava a Revolução dos Cravos, em Portugal, foi proibida. Após participar, em outubro de 1976, de um festival de MPB em Roma, Chico traduziu e adaptou o texto e a trilha sonora do disco infantil "I Musicanti", de Luiz Enríquez e Sérgio Bardotti. O disco seria lançado no Brasil com o nome de "Os Saltimbancos". Peça homônima também foi apresentada no Rio e em São Paulo, com igual êxito. No final de 1976, Chico lançara o LP "Meus Caros Amigos", com participação especial de Mílton Nascimento, que canta "O Que Será", música composta por Chico para o filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto. No início de 1978, Chico participou do júri do Concurso Literário da Casa das Américas, em Cuba. Do primeiro país socialista do continente trouxe e gravou a "Pequeña Serenata Diurna", do compositor Silvio Rodríguez. Após um ano despendido entre criações e ensaios, no dia 26 de julho de 1978 estreou a Ópera do Malandro, com texto e música de Chico Buarque, que fez jus ao Prêmio Molière, como melhor autor teatral do ano. Chico, porém, não compareceu à cerimônia de entrega dos prêmios, em protesto contra a ação da censura, que proibira várias peças naquele ano. Seu LP de novembro de 1978 incluiu três composições anteriormente proibidas: "Apesar de Você" (1970), "Cálice" (1973, em parceria com Gilberto Gil) e "Tanto Mar" (1975). No final de 1979 somou a "Os Saltimbancos", seu único disco infantil, o primeiro livro de sua autoria para crianças: "O Chapeuzinho Amarelo", ilustrado por Danteli Berlandis. Em 1992, lançou seu primeiro romance, "Estorvo", e em 1995, o seu segundo romance, Benjamin. No final de 1979 foi contratado pela gravadora Ariola. Mas, em fins de 1980, ainda lançou pela Polygram, onde trabalhara nos últimos doze anos, o LP Vida, com músicas como "Eu Te Amo" (feita especialmente para o filme homônimo de Arnaldo Jabor), "Bastidores" e "Morena de Angola". Na época estreou em São Paulo "Calabar" ou "O Elogio da Traição", finalmente liberada. No exterior, Chico participou da festa do Avante, órgão oficial do Partido Comunista Português, e do projeto Kalunga, em Angola, apresentando-se, com mais 64 brasileiros, por todo o país. A renda dos shows foi destinada à construção de um hospital. Depois de um ano e meio de trabalho, em outubro de 1980, foi lançado o filme "Certas Palavras", com Chico Buarque, uma biografia do artista realizada pelo argentino Mauricio Berú. Essa discutida memória cinematográfica tem a participação - em números especiais ou depoimentos - de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Vinicius de Moraes (filmado, aliás, pela última vez), Toquinho, Francis Hime, Ruy Guerra, Miúcha, Sérgio Buarque de Holanda e outros amigos e familiares daquele que foi considerado "unanimidade nacional" quando parecia acrítico; que foi o "símbolo de resistência à ditadura"; e que hoje (quando, como ele sublinha, "não temos um inimigo comum: há tons entre o preto e o branco") continua batalhando por liberdades e justiças sociais, como artista, sem um engajamento político partidário. Em novembro de 1980, Chico foi entrevistado no Canal Livre, transmitido pela TV Bandeirantes, de São Paulo. O programa causou muita polêmica nos jornais dos dias seguintes, pois se estabeleceu acirrada discussão quando o compositor denunciou a semelhança de resultados na ação da censura e da crítica, na medida em que esta confere status a determinadas músicas e destrói o trabalho de novos artista, a quem devia "dar a maior força". Também em fins de 1980 estreou a peça "Geni", um projeto de Marilena Ansaldi e José Possi Neto, em colaboração com Chico Buarque de Holanda e baseada na música "Geni e o Zepelim", que ele escrevera para a "Ópera do Malandro". Chico fez também duas músicas para a peça "O Último dos Nukupirus", de Ziraldo Alves Pinto e Gugu Olimecha. Depois, participou, juntamente com Sérgio Bardotti, Antônio Pedro e Tereza Trautman, do roteiro de uma produção milionária: o filme "Os Saltimbancos", estrelado pelos Trapalhões. Em seu LP Vida, a faixa título fala do amor à existência quando se percebe que se vai morrer. Chico inspirou-se em Goethe no verso "Luz, quero luz, quero mais", e a respeito diz (brincando?) que atravessa meio precocemente a "crise dos quarenta anos", caracterizada, sobretudo, pelo medo do fim - acentuado depois da morte de Vinicius de Moraes. "Mas não estou me afogando, nem pessoal, nem profissional, nem criativamente. Não estou sequer ofegante. Estou nadando, vendo a praia... e vou chegar lá!" Depois disso, voltou a dedicar-se à música, lançando "Paratodos", em 1993, e "As Cidades" em 1999, ambas com amplas turnês pelo Brasil e exterior. Em 1998 foi enredo da Mangueira, que ganhou o desfile daquele ano. |
NA VOZ DE MARIA BETHÂNIA
Me disse pra eu ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos no olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando
Me pego cantando sem mais, nem porquê
E tantas águas rolaram,
Tantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.
Quando talvez precisar de mim
Você sabe a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz.
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu?
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você!
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você!
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você!
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor
A minha gente sofrida despediu-se da dor
Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou,
O faroleiro que contava vantagem parou,
A namorada que contava as estrelas parou,
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu,
A rosa triste que vivia fechada se abriu,
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor - Estribilho
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela,
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto o que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar depois que a banda passou
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor
Depois da banda passar cantando coisas de amor
Fonte do Texto: http://www.velhosamigos.com.br
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